Crônica
- José Roberto Santos Neves
29/06/2011 - 19h50 - Atualizado em 29/06/2011 - 19h50
A Gazeta
José Roberto Santos Neves
jrneves@redegazeta.com.br
www.jrsantosneves.com.br
A crítica
A convite do professor e bandolinista Fernando Duarte, falei há algumas semanas a estudantes universitários sobre o papel da crítica musical - e do crítico - no jornalismo atual.
Houve na imprensa quem decretasse precocemente a morte dos críticos: eles não seriam mais necessários no mundo das novas mídias e das redes sociais, perdendo cada vez mais espaço para o palpiteiro descompromissado, o blogueiro ou tuiteiro que rapidamente coloca sua opinião na "infernet", como diria o colega Oleari, sendo "seguido" por um monte de gente que também aproveita para emitir sua opinião, gerando debates, retuítes, cliques no botão "curtir" e coisa e tal.
No entanto, pego emprestado o bordão do ex-presidente Lula para afirmar que nunca na história desse país o crítico ou especialista foi tão essencial no jornalismo quanto nesse cenário de overdose de informação. Ao crítico de música, por exemplo, cabe interpretar o conceito de uma obra, desvendar detalhes que à primeira vista estariam implícitos aos olhos do público, identificar a originalidade de uma canção, a qualidade dos versos, a melodia, a harmonia, o ritmo, os arranjos, o nível da produção, o padrão gráfico, traduzindo para o leitor a importância dessa produção musical para o contexto em que está inserida. O crítico tem ainda o dever de perseguir a neutralidade, embora ela sempre escape da mente de quem escreve. Um bom crítico deve ter isenção suficiente para detestar um gênero musical e ao mesmo tempo ser capaz de reconhecer méritos nesse estilo.
Crítica não pode ser confundida com gosto pessoal, até porque gosto, cada um tem o seu e, ao contrário do que se diz, gosto se discute, sim!
Quanto maior o volume de produtos culturais ou de entretenimento ejetados no mercado, maior é a responsabilidade do crítico em separar o joio do trigo e apontar o que é relevante para o público. Seu foco será sempre o interesse coletivo, na busca de uma independência ao lobby das grandes corporações (gravadoras, distribuidoras de cinema) que assediam jornalistas com toda sorte de mimos e a ilusão de um mundo de glamour que não é - ou pelo menos não deveria ser - o mundo do jornalista.
Em contrapartida, reconheço que atualmente a influência do crítico sobre a sociedade é menor do que nas décadas anteriores. Quem viveu os anos 70 e 80 no Estado lembra que Amylton de Almeida era capaz de "fazer" uma bilheteria em Vitória com o seu texto contundente, ferino, emocionado. Era, muitas vezes, um fenômeno local. Hoje tudo está pulverizado, há muito mais fontes de informação, outras formas de concorrência.
O crítico está longe de ser o dono da verdade, mas tem a obrigação de ser um profundo conhecedor do tema sobre o qual escreve. E isso, amigos, só se consegue com muita leitura, pesquisa e vivência na área. É justamente o que o diferencia de quem expressa uma opinião com base no "achismo".
Por fim, críticos erram, e muito. Certa vez, um jornalista americano decretou que o disco de estreia do Mötley Crüe era tão ruim que ele comeria a máquina datilográfica caso o grupo fizesse sucesso. Isso foi no começo dos anos 80. Desde então, a banda vendeu mais de 80 milhões de álbuns ao redor do mundo.
Espero que o coleguinha tenha feito boa digestão.
Fonte: Caderno 2, jornal A Gazeta desta quinta-feira 30.
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